Revista Ide e Anunciai 15. Minha experiência no Brasil

Em 1948, ano das escolhas para o futuro de minha vida, com apenas 11 anos, pensei mais seriamente na vocação sacerdotal e missionária que vinha amadurecendo fazia algum tempo. A decisão final aconteceu justamente naquele ano, quando num dia de festa, na missa, os frades Agostinianos Descalços de Fermo anunciaram a saída dos três primeiros sacerdotes para as missões no Brasil. “Não tenho mais dúvidas, pensei, eu também serei missionário” e ingressei no Seminário “Madonna della Misericordia” na mesma cidade.

Desde o dia de minha ordenação sacerdotal manifestei aos superiores o desejo de partir para as nossas missões, onde a necessidade de padres era muito mais urgente do que na Itália; mas me seguraram na Itália com tarefas diferentes das que almejava.

No mês de junho de 1979, quando já tinha 43 anos, o Prior geral, Frei Felice Rimassa concedia-me partir para as missões no Brasil. “Deo gratias – pensei – antes tarde do que nunca”. Logo comecei a preparar os documentos junto à Embaixada brasileira. Estando em Roma, aproveitei para participar da audiência do Papa João Paulo II, recém eleito. Consegui beijar-lhe a mão e pedir sua bênção. O Santo Padre, colocando com força sua mão na minha cabeça, com voz clara e decidida disse: “Vá tranquilo, não tenhas medo, o Senhor estará contigo”. Aquela mão sobre a minha cabeça e aquelas palavras foram como gasolina no fogo de meu entusiasmo que explodiu com maior energia. Agradecia-te continuamente, meu Deus e te pedia a luz e a força para cumprir a nova missão segundo a tua vontade.

Chegando ao Brasil juntamente ao clima tropical, encontrei o calor humano ainda mais forte, aquele dos confrades e dos numerosos fiéis, colaboradores e amigos que com alegria me aplaudiam e me acolhiam festivamente.

Tinha saído com a vontade de dar, incentivar, ensinar, e talvez…converter; acabei aprendendo a ser incentivado e encorajado ao ver tanta fé e vivencia cristã. Não tenho encontros ou eventos especiais para contar, mas somente as pequenas coisas que cotidianamente nosso povo fazia com simplicidade e amor. Chamava-me a atenção o continuo repetir o nome de Deus, percebido como parte de sua vida, motor e artífice de tudo. Não existia discurso ou assunto em que não entrasse Deus. Sua fala era recheada de expressões: “Graças a Deus, se Deus quiser, Deus te abençoe, Deus lhe pague, Deus está perto de mim, Deus é grande.” A ternura com que os pais cumprimentavam, assinalando a testa e dizendo aos filhos ao saírem: “Que Deus te acompanhe e te proteja”, e os filhos respondendo com seus olhos brilhantes. Tratava-se de uma fé genuína expressa com gestos simples, mas que dava uma grande abertura ao coração. Toda vez que via um destes pequenos gestos cotidianos, dava graças a Ti, ó Deus, que me fizeste encontrar esta realidade tão diferente dos nossos encontros frios, das nossas palavras comedidas, do nosso querer aparecer. Nestas pessoas via a Ti, Jesus, que vinhas ao meu encontro para mostrar-me teu rosto cheio de amor e compreensão, via a Ti, Jesus, que não buscas o milagre ou o fanatismo religioso, mas o abandonar-se sereno a Ti no cotidiano.

Como Pároco tinha uma tarefa muito comprometedora: dirigir no caminho do evangelho uma grande comunidade. Era a primeira vez que desempenhava um serviço tão oneroso e sentia toda a sua responsabilidade. Carga pesada, mas o trabalho pastoral foi sempre o objetivo principal de minha vocação.

Nos dias mais cansativos do serviço paroquial lembrava-me das palavras do Papa antes da saída: “Vá tranquilo, não tenhas medo, o Senhor estará contigo”. Portanto comecei a trabalhar com confiança, pondo todo meu empenho e entusiasmo.

Estava contente pelo que tinha sido chamado a ser e a realizar. De um lado senti-me pobre, frágil e limitado, por outro percebia que Tu, Senhor me querias homem da esperança, enviado a sustentar, encorajar e iluminar.
Era consolador ver as crianças crescerem no conhecimento e na prática da fé, dirigirem-se ao Senhor como a um amigo, servir ao altar com vivacidade e entusiasmo e, aos domingos, ver a comunidade toda reunida na igreja como uma grande família. O que mais me entusiasmava era o grande número de crianças, adolescentes e jovens. O Brasil é o país do futuro, os idosos quase não aparecem no meio de tantos jovens. À noite estávamos cansados, às vezes vinha a tentação de pensar que éramos heróis, mas, depois concluíamos realisticamente que o herói era ele, o nosso povo cristão, humilde, pobre, mas rico de fé e de amor. Não posso nunca esquecer os numerosos exemplos que me sustentaram e encorajaram. Exemplos de fé viva que me edificaram justamente no meu serviço como pároco.

Frei Eugenio em Bom Jardim (RJ),
2002.

Quando encontrava alguma dificuldade, às vezes cultivava pensamentos de auto complacência: achava-me mais missionário … quase um herói, como os antigos pioneiros. Estes vãos pensamentos dentro de mim acompanhavam-me até chegar às capelas. Lá as encontrava empilhadas de gente, apesar do atraso, às vezes devido às dificuldades do caminho a percorrer. Todos nos esperavam, após ter andado vários quilômetros de a pé e com as criancinhas no colo; estavam todos à nossa espera, nossos fiéis, vindos de longe, enfrentando o calor tropical, para poder escutar a voz de Deus e celebrar os Sacramentos. Estes são os verdadeiros heróis, pensava comigo mesmo. Assim vencia o cansaço o medo e os vãos pensamentos! Confesso que diante de tanta fé, lágrimas de comoção, às vezes saíam de meus olhos, ficava vermelho no rosto, envergonhado por ter-me considerado algum dia um missionário herói, e agradecia a Deus por ter-me dado muitas vezes prova de que os verdadeiros heróis eram eles, nossos humildes, pobres e tão provados fiéis.
O rádio era para mim um meio precioso de evangelização, que permitia-me de estar em contato contemporaneamente com todos os paroquianos, especialmente com aquelas comunidades que podia visitar poucas vezes ao ano. Este recurso valioso encurtava as distâncias. Falando pelo rádio, era como se tivesse toda a comunidade paroquial, espalhadas em centenas de quilómetros, reunida no mesmo auditório.

Passei muitos anos no Brasil nas paróquias de Ampère (PR), Rio de Janeiro (RJ), Nova Londrina (PR), Bom Jardim (RJ) como pároco e Prior da Comunidade. Foram anos de trabalho e ao mesmo tempo de muita satisfação e experiência. Algo importante me chamou a atenção e me alegrou: a presença e o envolvimento ativo e responsável dos leigos na vida da Igreja. Em cada paróquia, sempre encontrei a colaboração de vários grupos laicais que, após uma séria preparação, dedicavam tempo e energias na ajuda aos sacerdotes na organização pastoral. Trata-se de um verdadeiro milagre, fruto do amor que estas pessoas tem para com Deus, com a igreja e o próximo.

Outra realidade ficou gravada em mim: o número de jovens. Sendo italiano e acostumado a viver num país com uma população prevalentemente idosa, fiquei verdadeiramente maravilhado ao ver, no Brasil, uma maciça presença de jovens abaixo dos 25 anos. Agora posso sinceramente afirmar que foram os jovens, nos anos de minha atividade missionaria, que mais me ajudaram com seu entusiasmo e alegria juvenil em todas as atividades paroquiais.

Meus colaboradores sacerdotes, Dom Luís Vicente Bernetti, Frei Possidio Carù, Frei Rosario Palo, Frei Luigi Kerchebamer, Frei Doriano Ceteroni, Frei Calogero Carruba e Frei Vicente Mandorlo e outros, foram todos companheiros de viagem, maravilhosos, ativos e incansáveis educadores de nossos seminaristas através do exemplo de uma vida religiosa levada a sério, da oração e das continuas instruções no intuito de modelar futuros e bons religiosos Agostinianos Descalços.

Agora, Senhor, com meus 80 anos, impedido de trabalhar por minha fragilidade e enfermidade, dirijo-me a Ti de coração, suplicando-te por todos os que me ajudaram no serviço pastoral no Brasil, dá-lhes a recompensa da tua paz, amor e bênção. A quantos batizei concede a graça de serem sempre filhos dignos de teu amor e testemunhas fiéis de tua palavra. A quantos, em teu nome, uni em matrimônio, concede a graça do amor e paz doméstica e tanta felicidade também a seus filhos e aos filhos dos filhos. Aos que não quiseram aceitar tua palavra, concede a graça do arrependimento e de poder ouvir, no último momento da vida, como o bom ladrão, “hoje mesmo, estarás comigo no paraíso”. A quantos conheci, e já deixaram este mundo, a paz eterna dos justos. A todo o povo brasileiro, fé, amor, justiça e muita felicidade.

Frei Eugenio Giuliano Del Medico, oad

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